Bia Fiuza é mãe. E já era, antes mesmo de ser. Era mãe de trajetórias modificadas e positivamente impactadas pelo Instituto Beatriz e Lauro Fiuza, organização sem fins lucrativos fundada em 2012, e que leva o nome de seus pais.
Fotógrafa, empreendedora e inquieta, Bia encontrou seu propósito no terceiro setor. Está há quase uma década dedicada ao IBLF, instituição que atende centenas de jovens em situação de vulnerabilidade social, transformando perspectivas por meio do esporte, com aulas de karatê e música. Atividades que ganharam ramificações e originaram outros projetos, como é o caso da Orquestra Jaques Klein, formada pelos estudantes de música da instituição.
Habituada a ser agente transformador na vida de inúmeras crianças, Bia se viu transformada por duas, seus gêmeos nascidos em 2019. Com a maternidade, rotinas, prioridades e sua atuação no IBLF foram readequadas. Há também uma mudança no olhar, cada vez mais voltado para as famílias das crianças que a instituição atende e, especialmente, para as mães. Um novo olhar, com mais compreensão e que agora também é espelho.
Como surge a ideia de criar o IBLF?
O Instituto foi criado a partir do sonho dos meus pais. Então é um projeto familiar mesmo. Minha mãe, professora, já conhecia o poder que a educação tem de transformar vidas. Meu pai, grande amante da música, identificou na música uma ferramenta universal. A arte como sendo instrumento de sensibilização. Já o karatê chegou pra gente por acaso, quando já estávamos montando o instituto. E vimos que apesar de parecerem linguagem distintas, trabalham de formas muito semelhantes. Abraçamos e seguimos com essas duas frentes.
Há uma Bia mãe que nasceu antes mesmo de você dar a luz aos seus filhos. O que a atuação no Instituto te ensinou sobre maternidade?
O trabalho no Instituto começou em 2012, antes mesmo de conhecer o meu marido. Começamos pequenos, com 60 alunos e chegamos a ter mais de 700 alunos. Então, essas foram as crianças que me ensinaram sobre cuidado, sobre a responsabilidade que temos que assumir quando plantamos e alimentamos sonhos em alguém. Então as crianças e adolescentes que compõem o IBLF me ensinaram muito sobre esse maternar além do trabalho, propriamente dito.
Como você divide seu tempo entre o Instituto e sua rotina como mãe?
Os meus dois nasceram em 2019. Para recebê-los, a gente passou por toda uma mudança na estrutura do Instituto. Para profissionalizar a instituição, criamos um conselho, do qual hoje eu faço parte. Então ainda na gravidez, comecei essa transição para que uma outra pessoa assumisse meu lugar como diretora executiva e passei os últimos dois anos apenas como membro do conselho. Recentemente, assumi uma nova posição mais operacional como diretora de relações institucionais, mas que ainda me permite uma dedicação muito grande aos meus pequenos. São relações muito diferentes, com pesos diferentes.
Como essa maternidade chega para você?
A chegada dos meus filhos, a gravidez, foi muito buscada por mim. A gente passou por um processo de fertilização, porque nós já queríamos ter filhos há algum tempo. Então foi uma decisão muito consciente. E quando ela chegou, essa transição foi muito natural pra mim. Agora, por mais que a gente se prepare, nunca estamos 100% prontos. Cada mãe tem um processo. E no meu caso são dois, né? Eu não sei como é ser mãe de um filho só. Mas o que mais me surpreendeu foi que, para além de passar por essa sensação de renascimento, há uma espécie de luto, por deixar para trás a vida como se conhecia, enterrar o que ficou para trás e permitir o nascimento de uma nova mulher. Isso veio cheio de dores e angústias que precisaram ser tratadas de frente para poder abrir espaço para essa nova vida.
E nessa volta para o Instituto, como ser mãe passa a dialogar com a sua ação?
Com a chegada dos meus, passei a entender melhor a posição de muitas mães com as quais eu lidei antes e, embora já fosse uma pessoa que tinha visão ampliada sobre a realidade dos outros, passei a julgar ainda menos. E, consequentemente, a me julgar muito menos nas minhas próprias ações. Além disso, o nascimento deles tem me feito pensar mais ainda sobre as questões ambientais. Não tem como a gente pensar na redução das injustiças sociais sem pensar na nossa casa, no planeta. Não tem mais a ver com sustentar o que temos hoje. Passa por uma mudança absoluta de vida.
Você disse que passou a enxergar as mães das crianças do Instituto com outros olhos. E a sua mãe? Você se reconhece como mãe nela?
Atitudes da minha em mim? Várias. Eu sempre tive muito da minha mãe, mesmo antes de ser mãe. Desde forma de falar e trejeitos, até valores e interesses. Então isso para mim não é incomum, mas o que mais me chama atenção na maternidade é passar a entender os processos que ela viveu de uma forma muito mais compreensiva. Ver minha mãe muito mais como mulher, dentro das suas questões. Isso permite que a gente tenha um olhar menos duro, em que a gente passa a entender também as vulnerabilidades de cada pessoa, mesmo ocupando aquele lugar de mãe e de pai que a gente julga ser a grande heroína e o grande herói das nossas vidas.
E você chegou a se cobrar por essa posição de heroína?
Com a chegada dos meus filhos, e com toda demanda que vem junto com eles, comecei a perceber que a gente falha mesmo. E a gente precisa se perdoar. E que, às vezes, não vale nem a pena buscar esse ideal, porque ele pode estar muito além da nossa própria realidade. Imagine para uma pessoa que não tem recursos financeiros ou uma rede de apoio. Então é nesse sentido que falo que passei a ter um outro olhar para mães das crianças do Instituto. Cada uma dá o melhor de si naquele momento. Essa busca pela perfeição é eterna e ao mesmo tempo eternamente equivocada.